Hoje escrevo-vos sobre um sonho que já há algum tempo paira sobre a minha imaginação: um filme sobre o meu processo de criação.
Este filme não é um anúncio publicitário e não pretende vender-me a mim nem a nenhum produto ou serviço.
Narra, sim, a minha motivação, o prazer que obtenho, o que me completa: o processo de fazer.
Todo o meu processo artístico foi construído em função de quem eu era, daquilo que vivia, como se fossem folhas de um diário intimista, sem que essa natureza fosse clara e transparente aos olhos de quem o via.
Quando decidi dedicar-me à A PAJARITA, sem abandonar a minha génese, quis inverter os sentidos e focar-me não em mim, mas em vocês. Em vez de ser uma expressão minha, de dentro para fora, passou a ser uma visão de fora para dentro, a interpretação que faço de cada um e a forma como traduzo e materializo essa identidade, o vosso amor, tão único e singular.
Desta forma, sinto-me uma privilegiada, sempre rodeada de amor, de felicidade e sonhos. O que faço nunca será um trabalho, mas um desporto, só este sentimento permite a liberdade e não nos afoga na rotina dos dias. E se vos parece estranha a analogia, nasceu de uma conversa com o meu pai: “nunca procures um trabalho, faz desporto”, dizia-me. Foi nesta frase, verbalizada num dos nossos longos diálogos, que encontrei o caminho para quem sou, com virtudes e defeitos, certamente, mas de rumo certo e claro.
O filme
Foi um passo que demorou a dar, ansiava pelo resultado, mas temia o caminho.
Tenho uma visão muito clara do sentimento que experimento, essa alegria que me invade ao conquistar cada traço, ao ver nascer uma imagem mental que o meu coração processa e a minha mão materializa. Mas tinha receio que não fosse possível traduzir isso em imagens ou que o resultado não fosse fiel ao sonho. Parece um drama, é apenas um filme, poderão pensar. Mas não, não é “apenas” um filme. É o filme do meu sonho, são os meus sentimentos, quem sou, e a expressão da minha alma, dos meus gestos.
A certeza
Tinha poucas certezas. Afinal, é um processo criativo que não depende de mim, mas que me espelha, lê, articula quem sou e o que expresso, conduzido por terceiros.
Se não traduzisse o que sinto, a pureza do processo, a sua agitação espontânea, o meu eu, não veria a luz do dia. Mostrar algo que não me identificasse, estava fora de questão. O “só porque sim”, não faz sentido para mim, nunca fez. Não era pretendido algo apenas bonito, queria um objeto verdadeiro, que vos desse a ver o que eu vejo, o que me deslumbra, o que me alimenta e, sobretudo como crio para cada um de vós.
A equipa
A ideia já andava há algum tempo a ser maturada e um feliz acaso fez com que me cruzasse com a Vanessa. A sua energia, disponibilidade e a sensibilidade para perceber o que eu pretendia levaram-me a acreditar que seria possível materializar o sonho que pairava sobre a minha cabeça.
Trocámos e-mails, onde as respostas foram sempre sinceras, rápidas e entusiasmadas, e marcámos uma conversa, sem compromisso, para trocarmos algumas ideias.
Numa mesa redonda, onde todas as partilhas honestas e sem receios devem ser feitas, falei-lhes sem artifícios sobre o que desejava, o que pretendia transmitir: a verdade do que faço. A sensibilidade da Vanessa e do Ivo foi imensa, e, de imediato, deram-me imagens do que pensavam ser o que eu pretendia – e era isso mesmo!
Tive a certeza de que seriam eles a desenhar o retrato do meu fazer.
O processo
Marcámos um dia e, pela manhã, começaram as filmagens, com calma e sem pressas, sem minutos contados. O entusiasmo era imenso e os nervos – por estar a ser observada -, dissiparam-se com a sua chegada.
O à-vontade que me proporcionaram foi maravilhoso. Acreditem, eu não sou fã da exposição, apareço em tão poucas fotografias, sou apologista de que o meu trabalho deve falar por mim. Com a presença deles e das suas câmaras, senti-me como num dia normal de trabalho no atelier, empenhada, focada, com gestos que refletem a ânsia de um resultado final e que não se controlam perante a emoção de ver algo “nascer”.
Para este filme, criei uma série de peças que refletem as técnicas de que mais gosto, como a aguarela, o desenho, a xilogravura e a aplicação de folha de ouro.
Com o conceito let’s bloom, quis que o amor pelo que faço florescesse a cada gesto, na execução das imagens que ia criando, plenas de cor e de emoções, espontâneas e singulares.
Entre materiais e ferramentas, cada gesto foi registado sem preocupação sobre o seu resultado final. Esse vai ser sempre diferente, sempre a soma de cada história, dos seus personagens, das suas personalidades.
O resultado
Estas palavras são as mais difíceis de expressar… fiquei absorvida por cada imagem, por cada som. Foi uma mistura de sentimentos que me deixou perplexa, sem ação durante segundos que me pareceram minutos, horas.
É como se cada imagem fosse retirada de dentro de mim, como que sentisse a vibração de cada pensamento, esse espelho exterior que tanto procurei, algo maravilhoso.
Eu sei, é apenas um filme mas, é o meu filme, o sonho que me pairava sobre a cabeça e não podia estar mais feliz e emocionada. Por vê-lo de fora, projetado para mim.
Quando chega ao fim, o desejo de fazer renasce em mim e percebo que é aquilo que quero mais e mais.
Sou tão feliz neste mundo que habito, onde cada segundo é vivido em plena emoção e me faz sentir viva a cada gesto… Espero que o sintam e o ouçam na sua plenitude, na sua verdade.
Um sonho realizou-se, comemorando o sexto ano de um projeto dedicado ao vosso amor, onde a alegria do fazer não esgota mas alimenta quem sou: um sonho que traz a libertação de um ano tão diferente onde só a resiliência e a dedicação fazem sentido.
Com um abraço sentido, partilho convosco o sonho que pairava sobre a minha cabeça.
Desejo-vos boas festas e um 2021 cheio de liberdade, amor e saúde. E sonhos, sempre sonhos!
Como habitualmente, este texto foi escrito a quatro mãos com a minha indispensável Susana Esteves Pinto, a quem agradeço todo o carinho, apoio e dedicação.